Antes de você descer até o sótão e começar a remover a poeira daquela máquina de escrever dos tempos da Jovem Guarda… Está dando gargalhadas? Ninguém mais usa máquina de escrever? Bom, então irá surpreender-se ao saber que Woody Allen redigiu todos os seus quase cinquenta filmes na mesma Olympia SM-3 nos últimos cinquenta e tantos anos.

O querido e falecido Jorge Amado também foi fiel ao seu aparato. Depois de perder metade de um livro no disco-rígido defeituoso de um laptop, Amado abandonou a tecnologia de ponta e retornou a fidedigna dactilógrafa.

Então, você está lendo este artigo com o Final Draft que acabou de adquirir – ou piratear, não estou julgando – aberto e pronto para escrever o seu primeiro filme. Legal… Agora, fecha tudo – menos o artigo – e pergunte a si mesmo, “Por que?”.

Estou supondo que você já tenha tido este debate interno entre você, ser sagaz e sensato e o outro você, ser néscio e autodestrutivo, onde o “primeiro” perdeu a discussão. Mas responda com honestidade,  por que você quer comprometer parte do seu precioso tempo a algo tão meticuloso e ingrato?

Posso dar-lhe quarenta e duas razões porque escrever roteiros não é uma boa ideia, mas aqui vão três: você é mal pago, mal remunerado e mal compensado. E considere-se sortudo caso venha a ter um de seus roteiros produzido, pois apenas um terço de um porcento (0.3%) dos scripts são realizados no formato cinematográfico e por volta de cinquenta mil são registrados todos os anos apenas no WGA (Writer’s Guild of America).

Existe uma expressão conhecida em Hollywood que diz, “É possível fazer um filme ruim com um bom roteiro, mas o inverso é impossível.” Infelizmente, as produtoras ignoram este fato e dão pouco valor a roteiristas.

Bem, agora que eliminamos metade da concorrência – De nada! – vamos ao que interessa, como começar a criar.

A menos que você seja um(a) menino(a) prodígio e não saiba o significado de bloqueio criativo (writer’s block), nunca encare uma folha de papel em branco sem antes ter um conceito – você não vai a guerra sem munição, acampar sem barraca, pescar sem vara – ou qualquer outra analogia que ajude-o a entender – certo?

Se você quer escrever é porque tem algo a dizer.  Assumindo que esta hipótese seja verdadeira, por conseguinte, você deveria ter ao menos rascunhos em pedaços de papel, guardanapos de bar, em “bolachas” de cerveja, em gavetas e bolsos espalhados pela casa. Portanto, vá a uma expedição pelo seu barraco a procura destas anotações ininteligíveis – que no momento da criação pareceu-lhe uma dádiva divina – e agregue-os em uma caixa de sapatos – eu aguardo…

Nada? Você nunca anotou nenhuma de suas ideias brilhantes porque achou que iria lembrá-las? Sem problemas, as anedotas que você vem vivenciado no seu dia-a-dia, com personagens não-fictícios, como o chato do seu vizinho, são muito mais fáceis de contar, pois suas vozes reais irão auxiliá-lo na hora de colocar o diálogo no papel. Não descarte idéias de revistas, jornais, rádio, televisão e websites como fontes potenciais, nunca se sabe o que poderá germinar a sua próxima história, o que você precisa agora é de uma simples semente.

Anos atrás li  uma notícia sobre um homem que teve a sua mão decepada por assaltantes no parque Ibirapuera, em pleno dia. Mais ou menos uma semana depois, saiu na capa do mesmo jornal que este indivíduo tinha serrado fora a própria mão com intuito de receber milhares de reais do seu seguro, alegando invalidez. Ainda não escrevi um roteiro com este conluio, mas seria um bom lugar para eu começar, pois é uma história que lembro sem esforços porque, por algum motivo, ela registrou na minha mente. Pense em anedotas que você curte contar aos seus amigos, pois serão através delas que você terá uma chance de se sobressair.

Agora que você possui uma fonte de ideias (ou uma caixa de sapatos com lixo ortográfico, como couber-lhe), abra o seu editor de texto e dê início a um esboço.

Vou compartilhar outro provérbio americano que adverte, “Ideas are a penny a bucket.”, traduzindo, ideias não valem um tostão.  Se você não colocá-las em prática, de nada adiantou aquele instante epifânio, não será nada mais que uma masturbação mental onde você gozou e deu descarga.

Um esboço ou “outline”, nada mais é que um diagrama ou mapa que você poderá consultar no momento que estiver digitando o seu roteiro. Não pense, “Eu não preciso organizar meus pensamentos, eu sou uma daquelas pessoas que prosperam no caos.”, pois quando menos esperar, terá escrito sessenta e quatro (64) páginas direcionadas a um beco sem saída. Por que sessenta e quatro? Adivinhe… Logo, não cometa o mesmo erro que eu cometi e siga a convenção.

O Primeiro Ato

Como já deve estar exausto de ler, a maioria dos roteiros consistem em três atos, apresentação (Ato I), conflito (Ato II) e solução (Ato III).

Aaron Sorkin, o escritor do filme A Rede Social (The Social Network, 2010), resume esta arquitetação de uma forma simples e brilhante, “Toda história interessante faz uso do formato subsequente, alguém em busca de algo e algo (ou alguém) que esteja em seu caminho (que esteja impedindo-o(a) de atingir seu objetivo).” Em A Rede Social, o personagem central, Mark Zuckerberg, estabelece como meta criar a maior social network do mundo. Não apenas um personagem, mas uma avalanche deles tentam preveni-lo de superar seus obstáculos. Óbvio, que esta é uma maneira simplista de analisar o roteiro, mas é este trajeto que aconselho você seguir para a construção do seu esboço.

Completada a sua outline de no mínimo duas ou três páginas, a segunda etapa é saber se o seu filme é um curta ou um longa-metragem – na dúvida, é um curta!

Existem várias vantagens e justificações para o seu primeiro roteiro ser um curta-metragem, a primeira é a mais convincente, ver o seu trabalho eventualmente projetado.

Se você acompanha o Curso de Cinema, além de ser uma rapaz (ou moça) mais que astuto(a), você está por dentro da revolução digital e sabe que existe um pequeno exército de CIBOs a procura de um bom roteiro para os seus primeiros projetos. Procure por um que fale a sua língua e grude nele(a) como chiclete em sola de sapato.

O outro motivo é simples, antes de escalar a montanha, tente um morro. Escrevi uma dezena de curtas e pilotos para séries televisivas e atualmente estou no processo de terminar meu segundo roteiro de um longa-metragem, mas antes mesmo de escrever a primeira linha, eu já tinha mais de oitenta (80) páginas com anotações, além do esboço delineado. Achou exagero? Não é nada comparado a quantidade de pesquisa e preparação que o Matt Damon e o Ben Affleck fizeram para escrever seu primeiro roteiro, Gênio Indomável (Good Will Hunting, 1996) – que levou Oscar de melhor roteiro original. Acredite ou não, mas no fim do processo eles contaram quase duas mil páginas com descrições de cenas, personagens, narrações, etc.

Parabéns, você acabou de finalizar o primeiro ato da série! Deixo aqui uma relação do que você necessita para o seu esboço: título, sinopse (um ou dois parágrafos), descrição dos personagens principais (idade, sexo e contexto), enredo (um parágrafo) e tema (uma pequena análise sobre o seu roteiro). Caso você esteja escrevendo um longa-metragem, amplie o esboço para um “treatment” (tratamento?). Um treatment é um esboço mais detalhado, onde você deverá incluir uma página resumindo o primeiro ato, duas sintetizando o segundo e outra dedicada ao terceiro ato.

Criei abaixo um exemplo de esboço (nada original) de um curta para guiá-lo visualmente.

Como Escrever Um Roteiro de Cinema – Segundo Ato

Como Escrever Um Roteiro de Cinema – Terceiro Ato


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