Primeiramente, peço desculpas ao pessoal que vêm aguardando o segundo ato desta série, mas resolvi dedicar as minhas poucas horas vagas à apenas um projeto – ao invés de seguir a minha tendência natural de iniciar sete e não terminar nenhum – “Por quê sete?” Por que não? É tão aleatório quanto dez e é o meu número de sorte.

O projeto a que me refiro, o que tenho focado as minhas energias nos últimos meses, é um roteiro de longa metragem, o qual, finalmente, concluí o first draft (primeiro rascunho) esta semana. Logo, aqui vai a primeira dica:

– Assim que você terminar o primeiro esboço, coloque o roteiro na gaveta e esqueça dele por, no mínimo, duas semanas, desta forma você desenvolverá “fresh eyes” e poderá fazer uma leitura um pouco mais imparcial do seu trabalho.

No entanto, se você está lendo este artigo, deve estar longe de terminar o seu roteiro, mas mantenha esta dica em mente, pois quando estiver estagnado, as vezes a única forma de resolver o problema é distanciando-se da escrita.

Sim, eu sei, é um pouco confuso, estamos no segundo ato da série e nem começamos a falar sobre o primeiro ato do seu roteiro, o que indica que esta série terá mais de três partes, o que me faz lembrar: A estrutura de três atos é apenas a forma mais clássica de se escrever um roteiro, o seu enredo poderá ter três, quatro ou sete atos, caso forem necessários – “Por quê sete?” Vide acima  – Ex. Os Caçadores da Arca Perdida (Raiders of The Lost Ark, 1981) tem sete atos. Mas, vamos nos concentrar no modelo clássico, que na verdade são quatro atos, já que o segundo ato é dividido em “Ato II A” e “Ato II B”.

A estrutura de três atos é comumente repartida da seguinte forma, trinta páginas para o primeiro ato (a apresentação ou setup), sessenta para o segundo (o conflito) e trinta para o terceiro (a resolução) – não, o roteiro  do seu longa não precisa ter cento e vinte páginas, isto é apenas uma média. Rede Social (The Social Network, 2010) tem cento e sessenta e três páginas, enquanto que Antes do Entardecer (Before Sunset, 2004) possui apenas sessenta e uma.

As dez primeiras páginas do seu roteiro serão as mais reescritas, pois são as mais importantes do seu trabalho. Isto é devido ao simples fato dos responsáveis por lerem roteiros não terem tempo e/ou paciência para lerem todos por completo. Em uma entrevista coletiva, George Clooney disse que lê apenas até as primeiras quatro ou cinco páginas dos roteiros que ele recebe antes de jogá-los para escanteio. Albert Brooks concorda dizendo, “Se as primeiras linhas de diálogo soam falsas, eu desisto.”

Por isto é importante que o seu incidente ou grande evento (inciting incident), não somente apareça no primeiro ato, mas também o mais breve possível. O “grande evento”, é o momento catalisador da sua história. É quando algo irreversível acontece com o protagonista, como ocorre com o Marty McFly em De Volta para o Futuro (1985), quando ele acidentalmente viaja para 1955 enquanto tentando escapar dos terroristas libaneses ou quando os terroristas alemães assumem controle do Nakatomi Plaza em Duro de Matar (1988) – não, o seu incidente não precisa envolver terroristas.

Mas antes de chegar ao inciting incident você precisa entender mais dois termos, exposição e transição. Muitos screenwriting gurus dizem que a indicação de um roteirista profissional é como ele(a) expõe os seus personagens e como ele(a) transita de uma cena para outra. A sua audiência precisa saber sobre o seu personagem, de onde ele veio, o que ele faz, religião, orientação sexual, etc, mas não significa que você deva criar cenas para que estas informações sejam despejadas.

Indiferente de qual seja a sua opinião sobre o filme A Ressaca (The Hangover, 2009) – esta é a tradução do título feita pelos portugueses, pois eu me recuso a usar o título brasileiro – você há de convir que o filme é dinâmico e expõe os personagens de uma maneira natural e gradual, mas o script original tem pouca semelhança com o produto final. Não vou entrar em detalhes, mas aqui vai um mal exemplo de como expor um personagem – que obviamente não foi traduzido para o celuloide.

Aqui, o personagem Doug pergunta, para o seu amigo Alan, se ele e a esposa ainda estão juntos.  Esta seria uma pergunta bastante insensata vinda de um melhor amigo que lhe conhece desde os tempos do colégio, mas, vamos supor que, por motivos desconhecidos, eles não se veem à meses. O seu outro amigo, Phil, responde. “Claro que sim, Doug. Jesus, o Alan e a Becky estão juntos por 14 anos. Quando eles se encontraram pela primeira vez, ele usava aparelho e ela era virgem.” É óbvio que todas as pessoas presentes estão cientes da duração do relacionamento do Alan com a Becky, o que torna claro que o único propósito deste diálogo é informar a audiência deste fato.

Um bom exemplo de como expor os seus personagens estão nos primeiros dez minutos do filme, que aliás, não existem no roteiro. Quando Phil, o personagem do Bradley Cooper, coleta dinheiro dos seus estudantes para umas suposta atividade, mas com o intuito de gastar o dinheiro em Las Vegas, você entende que este personagem não é politicamente correto. Enquanto Doug (Justin Bartha) e Alan (Zach Galifianakis) esperam pelo Phil na porta da escola, Alan indaga, “Por que o carro precisa estar tão próximo da escola?” Quando Doug pergunta, “Qual é o problema?”, Alan responde, “Eu tenho que manter no mínimo sessenta metros de distância de escolas e Chuck E. Cheese.” Devido a esta resposta, começamos a duvidar da sanidade mental do Alan. Na cena seguinte, Stu (Ed Helms) mente para a sua namorada, apesar de demonstrar ser submisso a ela. E muitas destas exposições de personagens não estão no diálogo, mas nas reações e vestuário.

Moving the plot forward ou “avançando o seu enredo” é o método mais orgânico de mover a sua trama de uma cena para outra. No seu roteiro, todas as cenas devem servir este proposito, o de avançar a sua história na direção do terceiro ato, se você estiver isto em mente, as suas transições acontecerão naturalmente. Aline Brosh McKenna, a escritora que adaptou o livro The Devil Wears Prada para as telas, disse que quando começou a escrever roteiros, ela terminava uma cena com os personagens dizendo, “Então, nos encontramos na próxima cena, tudo bem?”, “Sim, tudo bem!” Claro que não literalmente, o que ela quis dizer é que ela não sabia como terminar a cena anterior e iniciar a próxima.

Disclaimer: Antes de continuar, eu gostaria de deixar claro que tentei procurar roteiros em português para usar como exemplos, mas não consegui encontrá-los online. Achei que pelo menos o Tropa de Elite 2 estaria disponível para estudo, mas por motivos burocráticos ou gananciosos a produtora não o disponibiliza. Por exemplo, a Sony Pictures posta vários de seus roteiros no seu site em formato PDF, como o que vou utilizar agora para demonstrar um exemplo de transição enquanto avançando o enredo, A Rede Social (The Social Network, 2010).

A primeira cena termina com um dos irmãos gêmeos tentando convencer o personagem principal, Mark Zuckerberg, a construir a rede social para eles, Mark finaliza com um “I’m in.” ou “Estou dentro.” As duas cenas subsequentes ocorrem em locais e tempos diferentes mas são diretamente informadas pela primeira cena, com o enredo principal funcionando em tempo real e flashbacks ao mesmo tempo. O enredo principal é o que o nome já sugere, a trama que ocupa mais páginas no roteiro, as outras são chamadas subplots – ou sub-enredos.

A maioria dos longas possuem subplots, não apenas para enriquecer o roteiro mas para preencher os noventa minutos que demanda um longa-metragem. Subplots são histórias secundárias que ocorrem paralelas ao enredo principal. Essas narrativas são, normalmente, diretamente relacionadas ao conto central e referidas como historia “B”, “C”, etc. – historia “A” sendo a principal. No caso de A Rede Social, alguns dos subplots são as ações judiciais, estes subplots, por sua vez têm seus próprios começos, meios e fins.

Chegamos ao fim do segundo ato da série, discutimos as estruturas principais que formam o roteiro de um longa metragem e no próximo ato falarei sobre terminologias e formatos.

Caso tenha perguntas, escreva-as na área de comentários, e boa escrita!

Como Escrever Um Roteiro de Cinema – Primeiro Ato


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