Na festa de ano novo, no golpe da meia-noite, Michael Corleone pega o seu irmão Fredo pelo pescoço, lasca-lhe um beijo nos lábios e diz, “Eu sei que foi você Fredo! Você me decepcionou. Você quebrou meu coração!” Para quem não assistiu a trilogia…  Não, O Poderoso Chefão não é uma história sobre homossexuais incestuosos. Nesta cena memorável, Michael revela ao seu irmão que sabe de sua traição à “la famiglia”, e sela o seu destino com um gesto conhecido na mafia como “O Beijo da Morte” – supostamente originado do beijo de Judas.

Concordo que a analogia seja um pouco dramática, mas alguns cineastas, ainda fiéis a película, acreditam que usar cartão de memória no lugar de rolo de filme é traição ao cinema.

Quando digo “o fim do filme”, refiro-me ao fim dos carreteis de filmes, do cinema analógico e ao início da revolução digital, especificamente, as cameras DSLR. Se você não está bem versado no mundo cinematográfico dos últimos 2-3 anos e perdeu o funeral, meus pêsames, filme de celuloide faleceu. Kaput. Capiche?

Com a recente bancarrota da Kodak – a empresa fundada por George Eastman, o inventor do filme de rolo – e com o estabelecimento dos equipamentos digitais no mundo cinematográfico, é seguro afirmar que, em breve, celuloide vira peça de museu.

Cena do filme, “O Poderoso Chefão”.

Em um tom mais positivo para aqueles que ainda botam fé no filme, diretores como Quentin Tarantino e Christopher Nolan ainda apostam nos carreteis de filme. Em seu último blockbuster, A Origem (Inception) Nolan fez uso de uma Super Panavision 70, também usada no clássico, 2001 uma Odisséia no Espaço em 1968.  Com uma ideologia similar, Tarantino decidiu colocar a analógica Arriflex de 35mm nos ombros para fazer os Málditos Bastardos (Inglorious Bastards), uma câmera exatamente tão velha quanto as cuecas do Chaplin.  Já o seu amigo – e de certa forma, pupilo – Robert Rodriguez (Sin City), está constantemente testando novas tecnologias e tentando converter o seu parceiro no Grindhouse, Quentin, para o digital. Em seu último filme, Machete, Rodriguez utilizou a Canon 5D para gravar algumas das cenas, e disse que foi essencial para lugares com espaço limitado.

Pessoalmente, acredito que a preferência por um método a custa de outro é puro saudosismo. Quem sou eu para criticar Christopher Nolan, mas vocês ão de concordar que a maquiagem para envelhecer Ken Watannabe no filme Inception não chegou aos pés dos resultados atingidos no O Curioso Caso de Benjamin Button do outro gênio, David Fincher.

A aversão pelo digital e a devoção pelo mecânico de Nolan é uma predileção que ele e outros diretores, residentes de Hollywood, podem sustentar. Afinal,  foi guilhotinando, colando com fita Scotch, rebobinando na mesa de edição, removendo o carretel, cortando dois quadros e adicionando dois outros que eles criaram as suas primeiras obras-primas, como por exemplo, Cães de Aluguel, Memento (traduzindo para a nova geração, dois apertos no teclado e um clique do mouse).

Eles dizem também que o granulado que vemos no filme é parte do que nos aproxima do conteúdo. Isto depende bastante do objetivo do diretor, ou auteur, se preferir. Por exemplo, um filme como o Sem Limites (Limitless, 2011) dirigido por Neil Burger, poderia ter sido feito em sua totalidade em equipamento digital apesar de ter apenas três (3) de seus minutos produzidos por um camera DSLR e uma Red – a introdução com o zoom fractal e uma cena no Museu Moma.

O granulado que aparece naturalmente na película de celuloide é desnecessário neste caso, pois as imagens pristinas das cameras digitais acrescentam a história um visual moderno, HD. Parte deste efeito granular (grain), pode ser adicionado em pós-produção, então, fora o fato de filme ainda ter uma resolução maior que vídeo, vejo pouca justificativa para usá-lo hoje, sem mencionar o custo elevado de trabalhar com filme.

Talvez seja nostalgia, talvez superstição, talvez teimosia com um pouco de fundação, mas para nós, cineastas amadores, cinematógrafos almejantes, ou mesmo para profissionais do ramo, como Don Corleone, a digitalização está fazendo uma oferta que não podemos recusar, viabilidade.


Os comentários abaixo são do antigo blog. Para comentar, dirija-se ao fim da página.